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Questões Laborais

Questões Laborais

O pagamento pontual do salário

Fortunato Paixão

O Orçamento Geral do Estado (OGE) para o Exercício Económico de 2024, com receitas de 24,7 mil milhões de kwanzas e despesas fixadas em igual montante, foi aprovado pela Assembleia Nacional no dia 13 de Dezembro de 2023. Entretanto, 57,8% do total da despesa do Orçamento para o exercício económico de 2024, estimado em 14,3 biliões de kwanzas (16 mil milhões de euros), será alocado ao serviço da dívida pública, interna e externa. É um valor assustador, porquanto significa menos dinheiro para o investimento e para a produção.

É evidente que a dívida pública interna não resulta apenas de pedidos de empréstimos através de emissão de título de tesouros, mas também da prestação de serviços, designadamente, obras públicas e fornecimento de bens e serviços. Ou seja, o Estado tem dívidas com as empresas de construção civil (grande parte), saneamento básico, fornecedoras de materiais escolares e hospitalares, incluindo medicamentos, etc. Assim, ao incrementar no OGE a previsão de pagamento da dívida pública, apesar das cifras assustadoras, torna as empresas e fornecedores do Estado expectantes, porquanto poderão conseguir contratar serviços e pagar suas dívidas (internas e externas).

A verdade é que a dívida pública acarreta grandes consequências para empresariado. Daí há quem alegue que não consiga honrar os seus compromissos, sobretudo o compromisso do pagamento de salários. Então fica a questão de saber, se o atraso dos pagamentos da dívida pública, constitui fundamento para justificar o atraso no pagamento das remunerações?

Logo, a remuneração, nos termos do artigo 236.º da Lei n.º 12/23, de 27 de Dezembro, Lei Geral do Trabalho (LGT), pode ser certa, variável ou mista, sendo esta constituída por uma parte certa e outra variável. O critério distintivo destas várias modalidades de remuneração radica na respectiva unidade de cálculo ou de medida.

Assim, a remuneração certa é constituída pelo tempo de trabalho (a hora, o dia, a semana, a quinzena, o mês), sem atender ao resultado (n.º, 2 do artigo 236.º da LGT). Ao passo que a remuneração variável é calculada com base em critérios diversos da medida temporal, isto é, rendimento do trabalhador em função do tempo e dos resultados obtidos na empresa, será o caso do salário à peça, do salário à tarefa, das comissões, etc. (n.º 3, do artigo 236.º da LGT).

Por outro lado, a remuneração mista é constituída por uma parte certa (calculada em função do tempo) e por uma parte mista (calculada em função do rendimento), n.º 5, do artigo 236.º da LGT.

Contudo, a remuneração variável não significa que só vai ter lugar se o trabalhador obtiver resultado, pois a obrigação do trabalhador consiste em realizar a actividade que está obrigado, com zelo e a diligência exigível, mas não está obrigado a resultado. Assim, como na remuneração certa a base de cálculo é o tempo, no variável a base do cálculo é o rendimento. No entanto, na remuneração variável não significa que o trabalhador deixa de cumprir o contrato caso não atinja os resultados pretendidos, mas o certo é que o seu inêxito acaba por se repercutir negativamente em sede remuneratória, daí a modalidade certa ser a mais segura para o trabalhador. Contudo se o rendimento da empresa diminuir por culpa do empregador, o trabalhador tem direito a uma remuneração normal, a média mensal que o trabalhador recebeu nos doze (12) meses anteriores ou durante o período de duração do contrato, se inferior.

Ora, o empregador tem o dever de pagar pontualmente ao trabalhador (alínea e) do artigo 83.º da LGT). Pelo que, nos termos do n.º 1 do artigo 245.º da LGT, a obrigação de pagar salários vence até ao último dia útil do período a que se refere, durante as horas normais de trabalho, ou seja, o montante da remuneração deve estar à disposição do trabalhador na sexta-feira (caso o pagamento seja semanal), ou no dia 15 (caso seja semanal) e dia 30 (caso seja mensal), sempre que o último dia for um dia não útil, a obrigação deve ser feita no dia útil imediatamente anterior.

A prática no nosso mercado de trabalho tem sido a de remuneração certa e mensal, pelo que o salário do trabalhador vence no dia 30 de cada mês, devendo ser liquidado antes, se o dia 30 coincidir com um dia não útil. Com efeito, a obrigação de remunerar o trabalho vence automaticamente, ou seja, sem necessidade da prévia interpelação do trabalhador, pois a obrigação decorre logicamente da existência de uma data predeterminada para o respectivo pagamento.

Embora a LGT não estabeleça a obrigação de pagamento de juros de mora, no atraso do pagamento de salários, não inibe o trabalhador de exigi-los e mais, pode inclusive responsabilizar o empregador pelos danos resultantes do atraso, (os morais e patrimoniais). Por exemplo, o trabalhador que deixou de pagar a propina do colégio do filho e foi penalizado com multas, deve imputar estes custos a entidade empregadora (artigo 804.º e 805.º do Código Civil). Entretanto, o empregador não fica constituído em mora (e não fica obrigado a reparar os danos), quando o atraso do pagamento não lhe seja imputável. (artigo 804.º, n.º 2). Assim, o empregador não pode alegar a crise económica financeira como causa justificativa de atraso no pagamento dos salários, sendo que deve sempre pormenorizar, por exemplo, se alegar que a dívida pública esteja na base do atraso, deve ainda justificar que só com o recebimento dos pagamentos seria possível o pagamento dos salários, sem este desiderato não seria possível, ou seja, deve justificar que não tinha outros recursos para fazer face à dívida com os seus trabalhadores.